quarta-feira, 27 de julho de 2005

Antigas Escrituras #10

Queria ter sido mais idiota do que eu fui. Queria ter saído mais, queria ter ido nas festas. Queria ter fumado escondido e matado aula pra ir pro centro comprar discos e coisinhas na feira hippie. Queria ter aprendido a andar de ônibus pra poder ir aonde eu quisesse sem ter que pedir pra minha mãe, queria ter conhecido mais gente e mais lugares, feito mais coisas, mais experiências. Queria ter visto mais do mundo e daqueles mundos das pessoas ao meu redor. Queria ter pensado menos nas conseqüências dos meus atos e pensado mais em como sair dos problemas que eu consegui evitar. Queria ter sido mais apaixonado e mais impulsivo. Queria ter aproveitado as chances de viver cada segundo que eu consegui deixar livre para passar trancado no quarto olhando as paredes. Queria não ter deixado nenhum segundo livre. Antes eu não queria nada disso e acabei deixando os segundos não só livres, mas tambem vazios.

Mas agora não dá mais tempo para nada disso.

sábado, 23 de julho de 2005

Antigas Escrituras #9

Não era uma questão de tempo, mas sim uma batalha de vontades. Por eons ele buscou os reinos superiores onde sua essência era aprisionada, onde seu próprio espírito estava isolado. Fundamentalmente intocável, seu poder lhe chamava.

Houve então momento em que Lord Gabe MacArthur, em suas buscas sombrias de respostas e alívio para o peso que ele não carregava, se entregou e sucumbiu. Não havia mais uma chama, um clamor de vida nele, pois percebera que não era vivo. Estava além das qualificações já existentes e dos adjetivos já criados. Nada nesse mundo lhe era permitido e nada no outro mundo lhe era revelado. "É um cárcere, sem barras para serrar e sem paredes para quebrar."

Buscara em vão esperanças que não queria, por mais que vasculhasse os palácios mais soberbos e os cantos mais escuros nada encontrara. Os maiores feitos levavam sua marca, mas mesmo assim, o reconhecimento não lhe dava o poder que queria: a queda de Cthulhu, a pilhagem de Valhalla. Fizera de tudo, não tinha mais idéias. Acabou.

No fim de todas as coisas, percebeu que não se trata do objetivo, da meta, mas sim da escolha do caminho a percorrer, dos marcos que você deixa no seu rastro. Não da estrada em si, mas sim das marcas que você deixa nela.

Ele escolhera a estrada errada, e não a marcou como queria.

segunda-feira, 6 de junho de 2005

Antigas Escrituras #8

Uma passagem larga consumindo os que vão e vem. Um insone retorno. Momentos antigos que ninguém mais recorda... Um dia para se ir além.

É outro espaço marcado inspirado em lembranças. Lembranças de mais ninguém. E pensando se descobre o que se quis saber, mesmo antes de reconhecer que o oculto é sempre mais simples. Mesmo antes de imaginar todos os motivos que levam até a loucura, alguém já passou por aqui.

Não sei ao certo o que procuro. Não sei dizer. É mais fácil pra mim imaginar o que os outros procuram aqui, vagando e tentando descobrir o que eu também não entendo. Isso eu posso fazer! Quem sabe seja a liberdade que se ganha ao se romper com a verdade que me permite responder sobre os outros melhor do que sobre mim mesmo... Eu só posso imaginar.

Laços antigos atam até o que é novo. Uma espiral do eterno retorno. Novamente, tudo retorna sem dormir, sem perder tempo algum logo após ter descartado todo o tempo do mundo. As nuvens continuam no céu e nós continuamos no chão. Mesmo se eu voasse, acho que continuaria no chão. Afinal, eu sempre fui mais próximo das nuvens que do céu.

Têm coisas caindo sobre nossas cabeças. São pedras, plumas, sei lá. Quanto mais se espera, mais tempo se demora. O alerta vive uma surpresa a cada segundo. Eu sei que não faço sentido, mas eu já havia dito que nem mesmo entendo o que procuro aqui.

Cada um que se empenhe em descobrir.

domingo, 17 de abril de 2005

Antigas Escrituras #7

De uma decisão passada até um arrependimento presente existe tanta distância quanto o ontem tem do hoje. Uma dor, um sentimento de culpa, aflora no momento em que tudo é absolutamente irremediável. O purgatório é aqui, junto com o inferno, enquanto o céu só existe quando você não o busca.

Me desculpe por ser assim, tão alienado, tão absorto em mim mesmo. Talvez você me veja como um poço infinito de preconceitos, de mentiras e hipocrisias, mas não é assim. Eu me esforço, tento fazer meu melhor... Mas existem horas em que isso não é o bastante! E que culpa tenho eu?! Eu posso ser acusado de egoísta, medroso e cego, mas também não seja tão rígida assim! Todos são diferentes, ainda bem! Quem sabe um novo ciclo não te ajudará?

Eu não vou conseguir dormir mesmo. Fico aqui, suando e bebendo e pensando que agora é tarde demais. Pensando que, se tudo ocorresse de novo, eu não faria diferente. Pq eu não tinha escolha, entenda, são coisas mais fortes que minha simples existência. São experiências passadas tão minhas que não usarei para me salvar... E elas teriam esse poder...

Que assim fique, então... Mas que fique registrado que não era essa minha vontade!

sexta-feira, 15 de abril de 2005

Antigas Escrituras #6

Esquizofrenia. É tudo em que o mundo resulta. O resultado último do crescimento do ser, da quebra dos laços do coletivo para que o individual possa crescer e se tornar suficiente... Mas ele não sabe disso, por nunca ter sido nada diferente de individual... Ele é aquele que representa ao Todo e, por isso mesmo, sem semelhantes.

Conforme Lord Gabe MacArthur caminha no leito profundo do mar, a poeira da lama cobrindo suas pegadas, as sombras rodam e formam imagens na água. Pessoas, lugares, tempos diversos e tão frívolos quanto os reais: com apenas um gesto, ele dissolve as aparições num redemoinho gélido.

Está tão profundo que não existe vida ali. A pressão é constante, assassina, e o frio vence a chama de qualquer existência. Um lugar jamais tocado pela luz, sem cor ou som. Seria esse o fundo do mar ou apenas um retrato de seu interior? Uma pergunta tola que ele se faz... Mas ele não se permite pensar sobre si mesmo. Isso só faz aumentar o desgosto pela sua existência onírica e desejar mais ainda a sazonalidade do mundo. Enquanto o Universo que ele encarna persegue a eternidade, ele apenas quer um fim para tudo! Quanto mais ele pensa sobre si mesmo, mais transtorno esse paradoxo gera...

A verdade, porém, cruza sua mente como as pedras afiadas do solo cortariam seus pés, caso não se despedaçassem antes dele tocá-los: O Universo busca a eternidade, mas ele já é eterno... Ele não representa o Todo, ele está além disso, muito além. Ele é o vazio que fica quando o objetivo é conquistado e a dor de perceber que não era exatamente aquilo que deveria ser buscado. Ele é o sucesso, o ápice de tudo aquilo que a humanidade nem consegue imaginar. Enquanto eles buscam o Eterno ele já conquistou o Eterno, o Perfeito e o Infinito. Os três tesouros que a humanidade jamais terá, que ela busca eternamente e que de nada lhe servirão. Os três castigos que o torturam, que não se pode abandonar e que são a razão de sua existência.

Ele representa o Todo como sendo seu exato oposto... A resposta final para tantos séculos de dúvida!

Conforme a água ferve e ele voa em direção ao céu, sobra no leito do mar uma nova questão: Se o Todo é absoluto e a tudo engloba, o que resta fora dele para ser seu Oposto? Nós não saberemos a resposta, ela está no Infinito que não podemos compreender. Lord Gabe, porém, não apenas sabe a resposta. Ele é a resposta...

domingo, 27 de fevereiro de 2005

Antigas Escrituras #5

É uma perdição, esse cosmo e essa raça. Esse éter e essa vida. Enquanto alguns se deliciam, outros pagam o preço.

Começou de novo! Olhem pelas suas janelas e vejam o céu perder a cor, a grama murchar e o orvalho secar.

Vejam o sonho etílico se dissipar no ar infindável como um vapor tão leve e insignificante. O ar podre, viciado, sufocante. Olhem para fora. Observem essa dança imunda e todos os passos que querem nos ensinar. E ninguém se dá ao trabalhado de te pergunta se você realmente quer participar.

O véu irá cair. A podridão volta. A ilusão vai. Parte a euforia, volta o desespero. E a mesma velha e maldita agonia de sempre. Não, nunca a de sempre... Ela sempre ganha forças maiores após destruir mais um novo ramo verde no meio dos pântanos mortos.

E fica a lembrança de tantas épocas boas como essa que se acabará em breve. Logo essa lembrança terá perdido toda a cor e todo o brilho, assim como fotos que ficam velhas demais. Elas não servirão mais quando tudo estiver escuro e frio, sem tom.

Mas, assim como fotos velhas, não perderão seu valor; e não serão jogadas fora.