domingo, 14 de julho de 2019

Palavra Secreta (ou Fim da Trilha)

Eu conheço um feitiço
Que pode tomar de assalto e moldar,
No ato,
Conforme meu desejo fugaz,
Conforme minha resolução altiva,
Mundo, espaço, tempo, vontade
E mente.

Eu conheço um ardil oculto
Que me faz mestre em todas as ciências
Que o homem não teve coragem de criar.
Essa chave-mestra, que carrego em um bolso,
Deste casaco que nunca tiro
Não abre nenhuma porta que não me leve
Para fora de onde eu não quero estar.

Eu conheço uma palavra que faz todas as rimas,
E um homem que não vê defeitos.
Conheço uma ideia que não surte efeito
Naqueles que já sabem sobre ela.
E eu sei o que você pensa
Sobre tudo aquilo que os outros pensaram
Antes de você.

Eu conheço um caminho que leva para longe,
De olhos vendados, pés amarrados,
Uma trilha tempestuosa que me leva, sozinha,
Além de penhascos, rios e vales,
Aonde não importa se o Sol nasce ou morre,
Ou quais vozes me seguem e envolvem,
Já que o tumulto na trilha vazia abafa todo o som.

No fim da trilha não posso mais ver
A longa prisão, as pesadas amarras,
E mais ninguém.
Só então eu sei que cheguei
Ao único lar que eu já conheci.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Vômito

Ele estava totalmente inconsciente da dor em seus joelhos. As entranhas, se contorcendo e queimando, banhadas em ácido, ocupavam toda sua mente. Elas se torciam, apertavam, e o vômito jorrava por sua boca, em jatos grossos, fortes, mas curtos. Quando o líquido se chocava com a água do vaso, o som estrondoso era abafado por seus urros guturais.

  Não havia ar em seus pulmões. Respirar entre os espasmos era um sacrifício e um erro. O cheiro era horrível, podre, azedo. Ele criou coragem e inspirou fundo. Quando o ar saiu, foi com mais um urro, empurrando mais um jato. Os olhos lacrimejavam. O estômago se dobrava. A garganta ardia, a boca sentia nojo de si mesma, o nariz estava agora tampado, obstruído por dentro. Ele fungou e cuspiu, e não sabia se havia muco naquele sabor amargo que sentiu. Respirou pela boca, arfando, ofegando, sem levantar a cabeça para acima da borda de sua privada.

Abriu os olhos e viu na água, flutuando, pedaços de coisas que ele não queria imaginar. Havia fios mais longos e massas escuras disformes. Lembranças semidigeridas. Antes que pudesse tomar um novo fôlego, suas tripas se espremeram como esponjas, e um novo jato saiu veloz. Pensou que fosse se afogar. Seu nariz não estava entupido? O vômito, agora muito menos grosso, pingava também por suas narinas. Ele vinha em uma torrente constante, sem uivos ou gritos, apenas um rio fétido surgindo de uma nascente condenada. Era dirigido, focado, não se espalhava pelas bordas, de forma que apenas aquilo que escorria pelo nariz lhe sujava o rosto, correndo placidamente a distância até o queixo, de onde gotejava.

Ele ia desmaiar. Mesmo a luz que lhe atravessava as pálpebras ia se esvaindo e tudo girava ao seu redor. Mas, finalmente, a maré baixou e ele pôde engolir o ar, com uma violência tão desesperada, tão instintiva, que sentiu as últimas gotas ainda presas em seus canos serem varridas para dentro de seus pulmões. Ele tossiu, limpando o peito e sentindo a sujeira voltar até sua boca, e cuspiu novamente.

Ainda abraçado no vaso, ele girou o corpo e se deixou cair sentado no chão desconfortavelmente gélido. Agora sim sentiu os joelhos doloridos, junto com o peito, a barriga, a garganta, a cabeça. Estava fraco, precisava respirar mais antes de se levantar ou de puxar a descarga.

O fedor tóxico lhe penetrava quer aspirasse pelo nariz que ainda escorria ou pela boca imunda. Não havia mais nada dentro de si, mas mesmo assim sentiu novamente os espasmos, a ânsia, o refluxo, e foi inundado pelo sabor da bílis que lhe surgia do âmago. Com o que lhe restava de energias, virou o rosto apenas o suficiente para que a nova onda, não mais que uma marola, lhe escorresse calmamente face abaixo, vaso adentro, para adicionar um matiz verde na poça amarela e vermelha que ele já havia criado.

As contrações cessaram, mas ele se manteve ali, catatônico, em choque. Seu estômago, totalmente vazio mas ainda irritado, não tinha mais o que expelir. O fim do sofrimento o fez rir e, com os risos, sentiu uma espécie de cólica em seus intestinos. Sentiu uma nova massa subindo, ainda mais do fundo, e fechou os olhos para não ver o novo vômito escuro explodir lábios afora.

Sem forças, caiu de lado no chão. Nem mesmo os músculos internos tinham forças, e o expurgo não conseguiu mais correr além da boca. Acumularam-se em um de seus pulmões, então.

Antes de finalmente desmaiar, sentiu um doce relaxamento lhe dominar.

Sua última sensação foi a de sentir o excremento quente e pastoso se espalhando entre suas nádegas, aquecendo as pernas e o chão frio.