segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Antigas Escrituras #4

Neste tempo em que estive meio afastado, comecei a pensar em como era difícil manter isto aqui, como era complicado sentar e escrever tudo o que eu queria, transmitir uma idéia, de uma maneira única, que me deixasse satisfeito.

Mas agora eu lembro como é tão simples, como sempre foi. Basta sentar em frente a essa tela branca e correr os dedos (sem a mesma agilidade de antes, é verdade) sobre o teclado, que as coisas fluem por sí só. Uma espécie de movimento autônomo, repassando tudo diretamente para cá. As tortuosidades e descontinuidades tão bem medidas de meus textos sempre foram obras intuitivas naturais de meu pensamento. Que o caos que reina possa se mostrar!

Mas já não tenho a mesma satisfação. É que escrever clara e diretamente nunca foi minha atividade predileta e não consigo mais achar o tempo para mascarar minhas coisas, colocá-las em novos moldes, para torná-las mínimamente interessantes. Neste exato momento estou enojado com relação a tudo isso que escrevi aqui até agora, ao ponto de deletar tudo e jogar fora mais 5 minutos de trabalho. O que sumiu, em relação a antes?

Talvez a habilidade de avaliar as coisas. Aquele meu olhar analítico e metafórico sobre o mundo certamente se enfraqueceu. Em seu lugar, surgiu uma visão focada, intensiva e que busca a clareza, não a sugestão e a dúvida. São espécies diferentes de procedimentos, mas que garantem resultados também diferentes. Os novos resultados não me satisfazem, mas tornam complicado um eventual retorno ao antigo padrão. Como diria Nietzsche, "uma aventura de sete solidões". Hoje não entendo o que isso quer dizer, mas com a antiga visão certamente poderia explicar.

Nhé.

quarta-feira, 8 de setembro de 2004

Antigas Escrituras #3

Mais uma vez? Não, não quero! Pelos campos cinzas da derrota eu não vou rondar! Meu canto se esgota enquanto eu fico ansioso esperando o que não vai poder chegar e, ao ver que não vou a lugar algum, minha alma negra se esconde mais ainda do sol brilhante. Meu espírito tingido por anos e anos da mesma história que se repete entra de vez na noite eterna. Eu não saio mais daqui. Me condeno e me amaldiçôo pois tudo dá errado. Nada chega, nada vai. Por nenhum outro campo me permito cavalgar. Mas que vontade eu tenho de sentir o toque da grama verde e do orvalho doce! Queria que a noite me molhasse de sereno, não de lágrimas, e queria que o destino não usasse minhas próprias armas para me ferir, me matar. O futuro, meu inimigo. O passado, minha dor. O presente, minha agonia. Eu me pergunto: se o tempo a tudo vence, quanto tempo mais poderei eu resistir à mim mesmo? Meu peito explode a cada batida de meu coração quente, tão cruel comigo. Mas é bom se sentir despedaçado quando sua integridade é questionada. Eu sou a fonte de meus problemas e seus agravantes! Eu englobo todos os motivos de minha dor. Serei eu, porém, a cura? Não! Sou pestilento e tóxico e podre e vil. Não conheço sonho, sou vazio. Não tenho para onde ir, voltar ou ficar. Do nada, nada surge. Meu inimigo, o Futuro Vazio, quem sabe não exista mais, mas eu não posso vencê-lo! Pelos campos cinzas da derrota eu vou vagar, mais uma vez, para todo o sempre, além do resto dos meus dias.

Amém.

sexta-feira, 23 de julho de 2004

Antigas Escrituras #2

Por algum motivo estranho, está claro lá fora. Eu sei que isso é normal, mas o estranho é que eu não saio de minha tumba em horas assim. Eu acreditava que alguma luz estava surgindo para mim e resolvi então vir apreciar o sol dourado. Mas a manhã é fria e o vento continua gélido. Eu continuo noturno. Não existe luz além daquela esperança que surge para deixar as trevas ainda mais escuras.

O dia é ainda mais escuro que a noite, dentro de mim. Enquanto tudo brilha, percebo que a minha existência é obscura e sem luz. Enquanto tudo brilha, as sombras são ainda mais profundas. E ao ver que as vidas refletem milhares de raios como prismas a separar os diferentes espectros de cor, eu finalmente percebo e aceito novamente que sou uma mancha negra no sol, um eclipse, uma nuvem de tempestade que transforma dia em noite. Eu possuo uma bruma tão densa ao redor de minha alma que nada jamais penetra. Não existe onda de calor que possa tocar meu espírito, porém eu congelo tudo o que toco. Eu não tenho proteção alguma contra mim mesmo conforme sinto meus próprios pensamentos cortando minhas esperanças e as lembranças de minha alegria. Não é assim que deveria ser? O sentimento contra a razão, a alma contra a mente? A luz contra a escuridão? Porém, todos esses elementos são iguais em natureza e diferentes apenas em grau. A alma é a luz quente do sol. A mente é a luz fria da lua. Eu sou a escuridão de quem não sabe qual das suas seguir. Sigo pela trilha oculta de quem não sabe qual direção tomar, qual orientação aceitar.

Será mesmo dia? Se a luz é tudo que acaba com a noite, uma vela pode fazer verão. Não, ainda não é dia para mim. Embora o sol fulgure lá fora, eu ainda sinto a manhã fria e o vento gélido. Se você observar as imagens da aurora e do crepúsculo, verá que elas são iguais. Eu me observo durante o dia: negro, frio, melancólico e só. Soturno. Para mim não existe dia, ainda é noite. Ainda é noite.