sexta-feira, 23 de julho de 2004

Antigas Escrituras #2

Por algum motivo estranho, está claro lá fora. Eu sei que isso é normal, mas o estranho é que eu não saio de minha tumba em horas assim. Eu acreditava que alguma luz estava surgindo para mim e resolvi então vir apreciar o sol dourado. Mas a manhã é fria e o vento continua gélido. Eu continuo noturno. Não existe luz além daquela esperança que surge para deixar as trevas ainda mais escuras.

O dia é ainda mais escuro que a noite, dentro de mim. Enquanto tudo brilha, percebo que a minha existência é obscura e sem luz. Enquanto tudo brilha, as sombras são ainda mais profundas. E ao ver que as vidas refletem milhares de raios como prismas a separar os diferentes espectros de cor, eu finalmente percebo e aceito novamente que sou uma mancha negra no sol, um eclipse, uma nuvem de tempestade que transforma dia em noite. Eu possuo uma bruma tão densa ao redor de minha alma que nada jamais penetra. Não existe onda de calor que possa tocar meu espírito, porém eu congelo tudo o que toco. Eu não tenho proteção alguma contra mim mesmo conforme sinto meus próprios pensamentos cortando minhas esperanças e as lembranças de minha alegria. Não é assim que deveria ser? O sentimento contra a razão, a alma contra a mente? A luz contra a escuridão? Porém, todos esses elementos são iguais em natureza e diferentes apenas em grau. A alma é a luz quente do sol. A mente é a luz fria da lua. Eu sou a escuridão de quem não sabe qual das suas seguir. Sigo pela trilha oculta de quem não sabe qual direção tomar, qual orientação aceitar.

Será mesmo dia? Se a luz é tudo que acaba com a noite, uma vela pode fazer verão. Não, ainda não é dia para mim. Embora o sol fulgure lá fora, eu ainda sinto a manhã fria e o vento gélido. Se você observar as imagens da aurora e do crepúsculo, verá que elas são iguais. Eu me observo durante o dia: negro, frio, melancólico e só. Soturno. Para mim não existe dia, ainda é noite. Ainda é noite.